Doenças Inflamatórias do Intestino e Saúde da Mulher: A Urgência da Investigação
(artigo publicado no dia 8/03/2025) no Observador)
No Dia Internacional da Mulher, celebramos conquistas, mas também reforçamos as necessidades que persistem. Entre muitas outras, está a necessidade de maior investigação sobre a saúde das mulheres, especialmente no que toca às Doenças Inflamatórias do Intestino (DII), que incluem a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa. Apesar de estas doenças afetarem homens e mulheres mais ou menos na mesma proporção, as DII apresentam desafios específicos para as mulheres, que ainda não são suficientemente estudados. Isto, obviamente, coloca em risco o tratamento ótimo para mulheres que sejam diagnosticadas com estas doenças.
As DII, que englobam a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa, são doenças crónicas, inflamatórias e imprevisíveis, diagnosticadas maioritariamente entre os 15 e os 35 anos. São doenças que afetam mais de 25 mil pessoas em Portugal, milhões em todo o mundo e que impactam profundamente a qualidade de vida da pessoa.
No contexto da saúde da mulher, as especificidades relacionadas com a DII são frequentemente negligenciadas, refletindo um viés de género que ainda persiste no campo da medicina. Este viés pode ter consequências profundas, tanto no diagnóstico quanto no tratamento da doença.
As DII, sendo doenças crónicas, afetam não só a função gastrointestinal, mas também o bem-estar físico, emocional e social das utentes. Para as mulheres, isto pode ser agravado por fatores hormonais. A relação entre a DII e o ciclo menstrual, por exemplo, é uma área pouco estudada, mas já se sabe que as flutuações hormonais podem influenciar tanto a intensidade dos sintomas como a resposta ao tratamento.
Outro ponto importante é a interação entre a DII e a saúde reprodutiva. Mulheres com DII podem enfrentar dificuldades adicionais em relação à fertilidade, especialmente se a doença estiver ativa ou se houver a necessidade de tratamentos agressivos, como alguns tipos de cirurgia e alguns tipos de medicação imunossupressora. Além disso, a gravidez pode ser uma fase delicada para mulheres com DII, sendo que o controlo da doença durante a gestação é fundamental para garantir tanto a saúde da mãe como do bebé.
Além disso, o viés de género na medicina faz com que muitas mulheres enfrentem dificuldades no diagnóstico, devido à desvalorização dos sintomas ou à sua confusão com outras condições de saúde.
Embora a investigação científica e clínica sobre as DII tenha avançado nos últimos anos, a falta de estudos específicos que analisem as diferenças de género na manifestação e tratamento das DII é uma lacuna importante. Muitos estudos não analisam nem diferenciam géneros, não investigam as particularidades das mulheres, e isto reflete-se, naturalmente, na insuficiência de orientações médicas específicas para este grupo de doentes.
Além disso, a escassez de informação específica sobre como a DII afeta a qualidade de vida das mulheres em fases específicas, como a puberdade, a gravidez e a menopausa é uma questão crítica. As mulheres com DII têm muitas vezes de lidar com estas transições de vida sem o apoio necessário, o que pode agravar a sua condição e aumenta a sensação de impotência. É por isso que muitas mulheres com DII se sentem desamparadas quando procuram respostas, por exemplo, sobre a segurança dos tratamentos durante a gravidez ou os impactos da doença na sua vida reprodutiva. A desinformação e o medo levam, por vezes, a decisões desnecessárias, como evitar a gravidez ou interromper tratamentos essenciais. E isto tem como consequência o agravamento do seu quadro clínico, um maior impacto na sua qualidade de vida, na sua saúde mental.
No Dia Internacional da Mulher, a Associação Crohn Colite Portugal relembra que é essencial que as mulheres com DII, em Portugal e em todo mundo, recebam o reconhecimento que merecem! O caminho passa por mais estudos, maior sensibilização e mais apoio para garantir que todas as mulheres com DII tenham acesso a um acompanhamento médico adequado e personalizado. Só assim será possível garantir uma abordagem mais justa, equitativa e eficaz no tratamento da doença inflamatória do intestino.
Investir na saúde das mulheres é investir no futuro. Que o Dia Internacional da Mulher sirva não apenas para refletir, mas também para agir.
Vera Gomes, Presidente Associação Crohn Colite Portugal