A Portaria n.º 82/2025/1, de 4 de março, que descreve o regime excecional de comparticipação para a nutrição entérica e suplementação nutricional, com foco na nutrição clínica, tem um impacto direto na qualidade de vida de pessoas com doenças inflamatórias do intestino (DII), como a Doença de Crohn e a colite ulcerosa. Estas condições frequentemente comprometem a absorção de nutrientes, levando a desequilíbrios nutricionais graves, que exigem intervenções alimentares específicas, como a nutrição enteral ou a suplementação.
Explicação da Portaria
Para os doentes com DII, o que é importante entender nesta portaria é que ela trata da comparticipação (ou seja, o pagamento parcial pelo Serviço Nacional de Saúde – SNS) de alguns tipos de alimentos e suplementos especializados que podem ser necessários para garantir uma nutrição adequada. As doenças inflamatórias do intestino, como a Doença de Crohn e Colite Ulcerosa, frequentemente causam problemas na absorção de nutrientes, o que pode levar a um quadro de desnutrição. Nesse caso, é essencial que o doente receba apoio nutricional especializado, que pode vir de dietas especiais, fórmulas alimentares ou suplementos.
A portaria menciona três tipos principais de produtos que podem ser utilizados como parte do tratamento nutricional:
- Formulações Entéricas (FE): Fórmulas líquidas ou em pó, administradas por via oral ou por sondas, que substituem a alimentação normal.
- Formulações Modulares (FM): Suplementos que contêm um único nutriente (proteínas, carboidratos, gorduras, fibras).
- Suplementos Nutricionais Orais (SNO): Suplementos que são usados quando a ingestão alimentar do paciente não é suficiente.
Esses produtos, agora, serão parcialmente pagos pelo SNS. Em 2025, o SNS pagará 37% do custo, e esse valor irá aumentando nos anos seguintes, chegando a 90% em 2027.
Posição da Associação Crohn Colite PT
A nossa posição, enquanto associação de doentes com doenças inflamatórias do intestino, é de apoio condicional à medida. A introdução do regime de comparticipação para nutrição enteral e suplementação oral é um passo positivo, pois reconhece a necessidade de apoio nutricional especializado para pacientes com condições como as DII. Contudo, existem limitações que precisam ser evidenciadas:
- Acesso Restrito a Certos Produtos: Embora a portaria cubra formulações entéricas e suplementos nutricionais, muitos doentes de DII necessitam de uma variedade maior de produtos, como fórmulas mais específicas ou com composições mais complexas, que não estão claramente incluídas na lista. Isto pode restringir o acesso a opções que atendam melhor às necessidades individuais dos pacientes.
- Critérios de Prescrição Restritos: A prescrição dos produtos está limitada a médicos especialistas de determinadas áreas (oncologia, medicina interna, endocrinologia-nutrição, gastroenterologia e pediatria). No geral, esta restrição deixa de fora muitos utentes seguidos noutras especialidades ou por outros profissionais de saúde(por exemplo neurologia, nutrição, cardiologia, entre outros). Para pessoas com DII, que podem ser tratados por outros especialistas (por exemplo cirurgiões), esta limitação pode dificultar o acesso ao tratamento adequado de nutrição.
- Desigualdade no Acesso: A comparticipação é apenas válida para os beneficiários do Sistema Nacional de Saúde (SNS). No entanto, uma parte significativa de pessoas com DII pode ser atendida por serviços privados ou ter acesso limitado ao SNS. Isso cria uma desigualdade no acesso a esse apoio nutricional, especialmente para quem não consegue obter a prescrição médica de um especialista dentro do SNS.
Limitações da Portaria
- Falta de Flexibilidade nos Produtos: A portaria define de maneira muito rígida os tipos de produtos que podem ser comparticipados (formulações entéricas, modulares e suplementos orais). Doentes com necessidades nutricionais específicas podem precisar de outros tipos de suporte alimentar que não estão contemplados.
- Exigências de Prescrição Restritivas: Apenas médicos especialistas de algumas áreas podem prescrever os produtos, o que pode ser um obstáculo para doentes que não estão sob acompanhamento direto desses especialistas, nem monitorizados por nutricionistas.
- Falta de Foco em Todos os Doentes, incluindo pessoas com DII: Muitos doentes podem não ter acesso a este apoio nutricional adequado, dependendo do seu contexto clínico e do tipo de tratamento que recebem. Além disso, o impacto do regime de comparticipação pode ser mais limitado em áreas onde o acesso ao SNS é mais difícil
- Desafios na implementação do regime de comparticipação: Embora a medida seja positiva, a falta de equipas especializadas em nutrição enteral e suplementar em alguns hospitais pode causar atrasos no diagnóstico e prescrição, prejudicando o tratamento de doentes com DII.
- Atrasos no processo de aprovação de produtos: As empresas terão que submeter, para cada produto, um pedido de aprovação de comercialização junto ao INFARMED. Isto pode resultar em atrasos na disponibilização dos produtos com o regime de comparticipação para os doentes, uma vez que a falta de clareza sobre os critérios, prazos e procedimentos pode afetar o acesso à comparticipação.
- Impacto da entrada em vigor da portaria: Com a entrada em vigor da portaria marcada para 1 de agosto de 2025, os doentes terão que esperar até essa data para começar a beneficiar da comparticipação, o que pode ser um grande obstáculo para quem já necessita de suporte nutricional atualmente. A partir dessa data, os produtos estarão disponíveis nas farmácias de oficina (farmácia comunitária), conforme as orientações do INFARMED e das autoridades de saúde.
Medidas para Implementar no Futuro
Como associação, nossa função é defender os direitos dos doentes e garantir que as políticas públicas respondem de maneira eficaz às necessidades da população com DII em Portugal. Estamos por isso a considerar algumas ações importantes que poderemos tomar:
- Advocacia para uma Maior Inclusão de Produtos: Precisamos pressionar as autoridades de saúde para que mais tipos de suplementos e fórmulas, que respondem a necessidades específicas de doentes com DII, sejam incluídos neste regime de comparticipação.
- Expansão dos Critérios de Prescrição: Vamos lutar para que os critérios de prescrição sejam alargados, permitindo que outros profissionais de saúde possam prescrever os produtos, facilitando o acesso dos todos doentes que necessitam a estes tratamentos.
- Promoção de Igualdade no Acesso: Devemos trabalhar para garantir que todos os doentes, independentemente de estarem no SNS ou em consultas privadas, ou da especialidade médica em que são seguidos, tenham o direito de beneficiar deste regime de comparticipação.
- Apoio a Iniciativas de Educação Nutricional: Podemos colaborar com outras associações de de doentes e profissionais de saúde para criar programas educativos que ajudem os pacientes com DII a entender melhor a importância da nutrição adequada e a como aceder aos produtos de nutrição enteral e suplementação oral.
- Monitorização e Feedback sobre a Efetividade da Medida: É essencial acompanhar de perto a implementação desta portaria, monitorizando como esta está afeta os doentes e alertando para eventuais falhas ou necessidades de ajustes.
Embora a portaria seja um passo positivo, a mesma ainda apresenta limitações que podem afetar negativamente pessoas com DII. A nossa associação, a Associação Crohn Colite PT, continuará a trabalhar para garantir que as políticas de saúde pública respondem às necessidades reais e específicas desta população.